O Espinhaço: A Grande Chapada g1g1g

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No artigo anterior descrevi o PN da Chapada Diamantina. Mas esta vai muito além do PN, incluindo várias parques estaduais e unidades de conservação. E, por fim, contém as escarpas terminais do Espinhaço, que eu ansiava tanto por conhecer. E aqui termina meu relato sobe nossa mais importante cordilheira, que visitei durante os seis anos anteriores. 64191l

Mapa do Relevo da Bahia

Vou abordar inicialmente os parques existentes na Grande Chapada:

Sete agens: O PE de Sete agens foi criado a partir do esforço de moradores da região de Miguel Calmon. Fundaram uma ONG e conseguiram convencer o INEMA baiano. O nome foi dado em função do caminho com sete agens que, na seca, levava o gado que pastoreava a área até os bebedouros.

É uma unidade pequena, com apenas 2.820 ha. Seu o é feito por estrada de terra que sobe desde Miguel Calmon, uma modesta vila a sul de Jacobina. Como parte da área era devoluta e como os garimpeiros e fazendeiros que a ocupavam foram persuadidos a sair (algo bem pouco comum), encontra-se totalmente regularizado.

Possui portaria e sinalização, todas as visitas sendo guiadas. De forma inovadora, os guardas parque foram escolhidos diretamente por votação nas comunidades. Pretende-se que sirva de modelo para os demais Parques do Estado.

Vale a pena mencionar que Rio de Contas e Jacobina são as mais cênicas cidades em toda a Chapada – a primeira pela arquitetura e a segunda pela localização. Curiosamente, foram os dois centros de mineração de ouro, as demais vilas tendo extraído o diamante.

O PESP tem um desenho de vales altos contidos entre duas serras – como resultado, possui mirantes e cachoeiras. Seu ponto culminante está a 1.270m. O mais conhecido dos primeiros é o Mirante do Dandá e as mais visitadas das segundas são as Cachoeiras do Jajai e do Bico do Urubu. A trilha mais longa, do Capão Grande, cruza todo o Parque no sentido norte e chega à Cachoeira do Sinvaldo, com queda de 170 m.

Mirante do Dandá, PE Sete agens, Miguel Calmon, BA

É ainda possível visitar por baixo a Cachoeira Araponga, uma oportunidade de conhecer toda a parede leste da serra que contém o Parque. O visual é deslumbrante, com o desenho agitado da crista, as paredes ora rochosas ora verdejantes e os campos e as vilas no entorno. A borda oposta, a oeste, tem o mesmo visual privilegiado.

O Parque contém as nascentes dos Rios Salitre e Itapicuru, o primeiro correndo para o norte até o São Francisco e o segundo, para o leste até o mar. Este último é intermitente, atravessando regiões pobres do semiárido baiano, ao longo de mais de 350 km. Do Salitre, falarei a seguir. A fauna é bastante rica em mamíferos e pássaros.

Parque Estadual Sete agens, Miguel Calmon, BA

Mas o que mais me impressionou foi a vegetação, composta por matas estacionais, intermediárias entre a caatinga e a mata atlântica, bem como por campos rupestres, carrascos e cerrados. Mesmo no inverno, encontrei uma variedade de flores, arbustos e arboletas.

Morro do Chapéu: Já o PE Morro do Chapéu é o inverso: grande, árido, monótono e desestruturado. Foi criado com 46.000 ha, no assim chamado piemonte da Chapada. No único mapa que achei, aparece como um retângulo regular N-S. Seus limites não estão ainda demarcados e seus funcionários são basicamente fiscais, pois não há visitação.

O PEMC pertence às bacias dos Rios Jacuípe e Salitre. O Salitre é o contrário do Jacuípe – seu curso de 330 km é norte, entre sua nascente em Morro do Chapéu e sua foz no São Francisco. É um rio rural, com uma história de violência pelos morticínios dos índios e disputas pela água escassa – é também um rio morto, devido à captação de sua pouca água, à mineração no leito e à construção de barragens.

Já o Jacuípe corre até o recôncavo baiano, onde deságua no Paraguaçu, já perto do mar. É um caudal piscoso e grande, com 500 km, que tem a infelicidade de ser contaminado em Feira de Santana. A região é atingida pela falta de água, havendo um projeto de transpor até ela o caudal do São Francisco.

Campo no PE Morro do Chapéu, Morro do Chapéu, BA

Voltando ao Parque, nos 50 km em que o atravessei, sua vegetação me pareceu a caatinga de cambuís e juremas, havendo áreas de carrascal e cerrado. Seu solo é arenoso e seu aspecto é sofrido e árido. É relativamente plano e homogêneo, exceto nas serras do norte. A altitude média deve superar os 1.000m.

Os animais que lá vivem costumam ser caçados pelos habitantes das 13 pequenas e miseráveis comunidades no seu interior. Isto tem também causado desmatamentos, queimadas e invasões.

O PEMC contém o cânion do Rio Salitre, que o atravessa. As lapas apresentam inscrições rupestres dos índios paiaiás. Curiosamente, o Morro do Chapéu que deu nome à cidade e ao parque não pertence a ele. É uma modesta elevação a 1.300m, do qual é possível enxergar no horizonte a figura imaterial do Morro do Pai Inácio.

Outras Reservas: Um pouco antes de chegar na vila de Morro do Chapéu existe um peculiar Monumento Natural – a Cachoeira do Ferro Doido, situada às margens da rodovia, que verte do Rio Jacuípe. O nome vem dos tempos do garimpo, devido à dureza de se trabalhar no cascalho à volta dos enormes blocos de arenito.

Cachoeira do Ferro Doido, Morro do Chapéu, BA (Fonte: Divulgação)

A reserva é mínima, com 400 ha. O Ferro Doido é uma cachoeira intermitente, que pode apresentar quatro, mais comumente duas ou até nenhuma queda, conforme o volume d´água. As duas principais acontecem em sucessão na altura de 100 m.

A APA da Gruta dos Brejões possui 11.900 ha, é vizinha ao Parque e pode ser visitada depois de uma complicada estrada de terra a partir da vila de Soares. Fica na paupérrima comunidade dos Brejões, numa impressionante colina árida e elevada.

Mas, logo antes, dois acidentes chamam a atenção: a caatinga vigorosa de emburanas que replica a vegetação original, tão diferente dos carrascais esquálidos de hoje, e o contraste surreal entre a calha incrivelmente verde e tão plana do Rio Jacaré e as dramáticas encostas íngremes e calcinadas à volta.

Boca da Gruta dos Brejões, BA

A gruta é mais uma das cavernas calcárias de que esta região é tão rica. Mas a Gruta dos Brejões é única, comparável ao Janelão do Peruaçu – e, ao meu ver, mais impressionante. Ela tem o maior travertino que já encontrei, e também um dos mais belos. Sua boca é imensa (123 m) e a caverna mesmo quando fechada é muito alta, com 10-15 m, sem nenhuma necessidade de capacete.

Uma dolina a meio caminho a divide em duas partes. Possui a enorme extensão de 8 km – a maior caverna de São Paulo pouco ultraa os 6 km. Foi dissolvida pelo Rio Jacaré, que ressurge dentro da gruta e deve ser atravessado a vau. A volta pode ser feita por fora, pelo cânion do Jacaré, ou por dentro através de um outro duto.

Salão N. S. Milagres, Gruta dos Brejões, BA

A Grande Chapada: Mas todas as áreas acima descritas apenas compõem uma pequena parte da Grande Chapada. Ela tem 4 milhões de ha e abrange mais de trinta municípios baianos, como mostrado no mapa anexo.

A Chapada tem um desenho de um imenso Y, cuja perna inferior começa na altura da vila de Ituaçu, onde se lança a Serra do Sincorá, subindo e se alargando até Lençóis. A partir daí a perna esquerda irá terminar em Xique Xique, banhado pelo São Francisco. A direita prosseguirá mais ao norte, indo até Curral Velho, já a caminho de Juazeiro. Assim, ela se estende do centro ao norte da Bahia.

Mapa Esquemático da Grande Chapada, BA

Isto significa que o Espinhaço tanto pode terminar num como noutro local. A versão oficial é que ele acaba em Xique Xique, onde de fato as escarpas da Serra da Mangabeira têm o aspecto usual de rocha exposta da cordilheira.

Serra da Mangabeira, Seabra, BA (Fonte: Divulgação)

A serra do lado oposto é uma continuação do Tombador e, embora com a formação linear típica do Espinhaço, é recoberta por vegetação. Este local está 100 km acima do outro – assim, pode-se dizer que o Espinhaço seria mais longo do que se acredita.

Essas duas serras, Mangabeira e Tombador, bem poderiam conter no futuro UCs, à semelhança da Serra dos Montes Altos que você já conheceu. Em particular, o Tombador tem um visual espetacular à volta da cidade de Jacobina. A leste de Montes Altos, a Serra do Ramalho, formada em calcário e com uma história interessante, também poderia.

Serra do Tombador, Jacobina, BA (Fonte: Divulgação)

Observe que Xique Xique fica quase 250 km a oeste de Curral Velho. Então, esta região apresenta a vegetação mais seca e rústica da caatinga. Já Curral Velho convive com uma certa exuberância do cerrado.

De fato, estes dois biomas acompanham o Espinhaço na sua marcha para o norte. Acho interessante como, mesmo no fim, ele continue convivendo com essa dualidade – porque ele é sempre inconstante e variado.

Eu retornava numa tarde de uma montanha do Espinhaço por uma trilha incomodamente irregular, cheia de blocos rochosos. Vi então à minha frente que o caminho ficara liso e reto, recoberto por uma suave areia, fina e branca. Enfim, terminou a dificuldade! eu pensei. Belo engano, logo em seguida a trilha retomou sua condição acidentada. Sabe porquê? Porque o Espinhaço não acaba nunca.

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Sobre o autor 4g6f10

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois istração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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